terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Além de Mim (2015)

Capa



Todas as Letras, Todas as Músicas; Fotos da Capa e Encarte, Guitarras, Baixo, Bateria e Teclados (Piano Eletrônico 2.5), Gaita, Vozes; Sangue e Suor frio: Juliano Berko. Gravado entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015, Guará II, DF. Interno/CD: Peter Paul Rubens, “A queda de Phaeton”.


Juliano Berko, 2015.

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“Foi isso, a vida? Muito bom! Mais uma vez!”
A Coragem

01. Faeton



Fæton

FASTEN SEAT BELT WHILE SEATED

Eu sou filho do sol, eu quero ser um deus
Eu não vim de um pó diferente do seu
Quando raiava a aurora, clareando o breu
Nem desconfiava qu’inda cruzaria os céus

Exercitei minha força, dominei minha vontade
Pra por em ordem as coisas e aquecer a sociedade
Com a coragem que tive, libertei minhas rédeas
E incendiei o horizonte – o espírito das tragédias

Não devo procurar se sou eu quem atraio
Quando escolho, eu honro; mas já fui ao contrário
Eu já fui romântico, imperador romano
Que tentou restaurar o mundo ante o engano

Imitei riffs de guitarra e frases de Nietzsche
Já fui quase a coisa mais horrorosa que existe
Da ira dos deuses, moralizando meus atos,
Seguindo meus passos, salvou-me a arte

Mas, o pavor me invadia, me senti impotente
O medo que paralisa, vento da decadência
Fugi do cativeiro do império das aparências
O privilégio ofende a minha potência latente

USE SEAT BOTTOM FOR FLOTATION

Lanço maravilhado o olhar ao futuro
Se eu focar em enxergar a tua luz, não me cego
Se eu focar em ouvir o teu poder, não sou surdo
Se eu focar em aprender tua força, então, mudo

OS GREGOS, AQUELES APOLÍNEOS

Pra que serve um mito, senão pra ser lido de cabeça pra baixo? Descobri por acaso, dentre o vasto repertório de mitos gregos, o caso de Faeton (ou Faetonte). Desde que me iniciei no entendimento da vida, lia os mitos de cabeça pra baixo: as tragédias são louváveis, representam a afirmação da vida! Se derrubamos a carroagem de Hélio hoje e incendiamos o horizonte, bem, que pena, melhor sorte na próxima vez e assim faremos melhor amanhã, com a experiência. Talvez os mitos, muito mais milenares que possamos suspeitar, tenham sido ESCRITOS - a prisão de uma estória - para subsidiar o poder e o seu interesse em enfraquecer a resistência, assim, pondo em descrédito relatos orais divergentes e que por ventura subentendessem um outro sentido de interpretação... Nessa canção eu perdoo a mim mesmo e perdoar a seus erros é o primeiro passo para a superação de si e aceitar seguir em frente na tarefa de continuar querendo a vida. Perdoar a si mesmo deve fazer parte da empresa de conhecer-te: a mim, um imperador romano, Juliano, o Apóstata, que se apegara à antiga tradição pagã romana e tentou e restaurá-la, foi quem me emprestou seu nome e, bem, não nego o simbolismo, ele cai como uma luva. Precisei superar o imperador para tornar-me, então, um deus. 
"A Queda de Phaeton", Peter Paul Rubens

02. Prometeu



Prometeu

Roubei o fogo dos deuses
Minha única saída
É descer com a luz do céu
E espalhar o sentido da vida
Enfrentei a grande batalha
Doce como mel de abelha
Feliz com a minha escolha
Queimei na grande centelha
Lancei a chama na pira
Despedi-me do que fora
Águia que sempre feria
Minhas entranhas afora
A violenta sangria
Em júbilo se transforma
Então eu redescobria
Que tudo, ao fim, retorna
Fui guerreiro por um triz
Galopei em valentia
Sagrada minha cicatriz
Potência da ferraria
Exercito de uma figa
No batalhão dei o bote
Quero mesmo que me siga
O asceta e seu sacerdote
É falsa toda idolatria
Àquela deusa que chora
Todo mundo se sacrifica
Cava sua própria cova
Roubei um beijo da musa
Decifrei mitologia
A escuridão que me assustava
Dominei tua magia
A vida então se fez leve
Dança breve das horas
A tais alturas me eleve
A luz de cem mil auroras

03. Sumidouro



Sumidouro

Eu achava que teria um fim o fundo do meu poço
Eu sentia que era de aço – hoje enferrujo
Eu pensava que sabia nadar, mas hoje eu afundo
Eu sabia que é bom duvidar, hoje não acredito...

Nada permanecerá oculto

Mergulho num rio ainda muito turvo
Pela tempestade, que arrasta meu corpo
Pro fundo, no escuro, quase me afogo
Aguardando um tempo vindouro...
Mergulho profundo, juro que era infinito
Agora sei: sigo o fluxo – pra onde está indo?
Me equilibro no fio com a corda no pescoço
E me draga o sumidouro

Eu achava estar decidido, somente hoje descubro
Eu sentia que era imutável o que é tão flexível
Eu pensava que estava perdido, hoje eu me encontro
Eu sabia o quanto me enganava, hoje eu não ignoro

Tudo amanhecerá luzido

04. Where My Madness May Fit?




Where My Madness May Fit?

Where my conscience may sink
When no one else hear my screams
Where my eyes cannot shut from those lights
Then will be nothing left but to fight

Where my words run free
When’ll be no more strength in my fist
What no other man could resist
I hope I raise my hand, at least

In a jail they call penthouse?
In a cage they call mortgage?
Loose in those vices they call ‘nice life’
Their future for me seems like torture

Trapped in this hell fork they call work
The drop dead age they call marriage
Where all my darkness is pretended to be hide
When I’ll show shame and hate in my face

Where my madness may fit?

Tradução:

Onde Minha Loucura Pode Caber?

Onde minha consciência possa afundar
Quando ninguém mais ouvir meus gritos
Onde meus olhos não possam fechar antes aquelas luzes
Então, não me restará nada senão lutar

Onde minhas palavras corram livres
Quando não haverá mais força em meu punho
O que nenhum outro homem poderia resistir
Espero erguer minha mão, pelo menos

Em uma cela que chamam apartamento?
Em uma jaula que chamam hipoteca?
Perdido nos vícios que chamam "boa vida"
Seus futuro, a mim parece tortura

Preso neste tridente infernal que chamam trabalho
O tempo de cair morto que chamam matrimônio
Onde toda minha escuridão finge estar escondida
Quando mostrarei vergonha e ódio em minha face

Onde minha loucura pode caber?

05. Pavor



Pavor

Todos querem se anestesiar da dor
Rezando pro seu deus, seja ele o que for
As jaulas dissimulam o desconforto
E o medo é tal que todos
Querem estar num altar
Num pedestal

O que te ata em mim também te ataca
O que me enrosca em ti também me arranha
Que te faz arder, porém, te queima
Que me faz querer, mas me domina

Enquanto todos pensavam amar
Eu via amargor
O que querem todos conservar?
Não sou senhor!
Enquanto tantos respiravam o ar
Me sufocou
Onde todos viam amar
Eu via pavor

Há muito que são doentias as nossas relações
Tantos pronomes e pessoas não
São muito além de possessões
Eu vivo, não acumulo
Amo, não calculo

O que te atrai em mim também te trai
O que em ti me completa, também corrói
Que te inunda, porém, te afoga
Que me governa, mas me ignora

06. O Corpo


O Corpo

Me disseram – o corpo é uma culpa!
E vivi condenado, sob um pesado fardo
Fui ensinado a esconder “minhas vergonhas”
E, daí, a me orgulhar das minhas recusas
Chamei de respeito o que era covardia
Morria de medo do que eu não compreendia
Mas, algo em mim me moveu à transgressão
A coragem, portanto, desde então me inunda

O que pode um corpo? Potência de vontade!
Corpo sem órgãos – produção desejante!
Nervo e osso, sudorese e libido
Cama de músculos, cobertor de gordura
O que pode um canto? A esquizoanálise!
Abrir passagem, forçar a abertura
Como reconhecer um corpo bem constituído?
É o que for mais agradável aos nossos sentidos

Me disseram – o corpo é uma prisão!
E me vi trancafiado, sem ver-me ser libertado
Fui ensinado a podar minhas asas
Ave de gaiola vê voar como loucura
Percebi que as grades em toda a sociedade
Funcionavam como vergalhão da estrutura
E davam a cada qual uma posição na fruição
Desde então, digo “não” à exclusão da vida

A porta é uma máquina de restringir fluxos
A maçaneta é uma máquina de abrir portas
A lâmpada é uma máquina de iluminar,
Também de aquecer ou sinalizar
Oh, serpente de aço que me transporta
Daqui pra outra vida, leva-me sem despedida
Eu sou uma máquina de tanto querer
E um dos meus quereres é o de saber
E você, é uma máquina de querer o quê?

Me disseram – o corpo é uma festa!
Mas, minha fantasia não aprovou a censura
Tal qual se assemelha a uma ditadura
A imposição de condutas que nos resta
Meu faro me afasta da experiência desmedida
Voltando a mim, calculo dose temperada
Quero ser alguém a passar pela vida e dizer
‘Não há nada que eu não tenha feito por querer’

07. H.A.A.R.P.



H.A.A.R.P.

Esteja atento aos ritmos
O amadurecimento dos frutos
Procure compreender os ciclos
A vida segue seus fluxos
Nunca se afaste dos signos
Da sua potência serão reflexos
O violento arrastar dos rios
E a eletrizante carga dos raios

Todos sabem ser fidedigno
Do vencedor que escreve, o relato
Pois, na deriva dos séculos
A força sempre foi o vernáculo
Ressignifique os ritos
Então, reconheça os fatos
Não se escapa do conflito
O embate é o grande ato

Ó, céus, cobertores dos cínicos
Sol, farol do firmamento
Iluminai o caminho dos santos
Que esperam o arrebatamento
Mal disfarçando o pânico
De perceber o próprio perecimento
Seduzem-se com o mórbido encanto
Aprisiona-se o seu pensamento

Lance-se ao pensar supersônico
Desafie-se ao existir inquieto
Boicote o estratagema biônico
Que prescinde de qualquer sentimento
Manipula o código genético
O monopólio do entorpecimento
É regado todo o debate ético
Com cerveja de milho transgênico

Eleva-se o poder tirano
Em sua técnica de convencimento
Aliens de nosso próprio engano
Senhores de nosso encarceramento
Tece-se um enredo mítico
Que interdita o raciocínio lógico
São inocentes do apocalipse hídrico
O latifúndio e o agronegócio

Cobre-se de um verniz cômico
A estupidez, o que é sintomático
Perde-se no fluxo midiático
Seria chiste, não fosse trágico
Serve-se o poder hegemônico
Da unidade do sistema métrico
Mede-se o mundo com os termômetros
Das antenas de aquecedores iônicos

08. O Ser Humano É Um Devir




O Ser Humano é Um Devir

Meus maiores inimigos são meus vícios
Maior das minhas virtudes – me arrisco
Meus hábitos são serenos, hoje estou limpo
Meu templo é o silêncio – assim caminho

Minha família é a humanidade, solitude – minha divindade
Me afasto de qualquer casta nobre do patriarcado podre

O ser humano é um devir
No horizonte, o além-de-mim
Pro melhor que puder fazer
Sou quem dirá sempre ‘sim’
Viver é provar deste elixir
Escolho nada querer
Há vontade de existir
Em amar este meu dever

O muro entre eu e o que posso, eu dinamito
A sombra da minha espada, meu paraíso
O homem mais justo que vive, sou eu comigo
Encarno o devir em minha vida, sou um destino

Mais de mil vezes, quero reviver o que vivi para ser o que sou
E nunca corresponder às expectativas das pessoas no poder

Não sou nem nobre nem servo
Nem suserano nem vassalo
Não sou senhor nem escravo
Não sou patrão nem empregado
Não sou burguês nem operário
Sem capital e sem trabalho
Pra além do bem e do mal
Na aurora de uma nova moral...

09. Como Nietzsche Ficou Louco



Como Nietzsche Ficou Louco

Só posso amar a vida sem culpa porque a antiga moral era recusa
É belo somente o necessário, é bela a curva da reserva de gordura
Eu ainda estou vivo, então, só posso fazer o que eu quero
Eu devo querer o que preciso e eu não preciso estar cativo

Então, vamos ficar loucos como Nietzsche ficou louco
Pois, querer muito pra mim ainda é muito pouco
Vamos dizer ‘não’ aos sacerdotes da razão
Como diz aquele apócrifo, ela não ouve a canção!
Então vamos dizer sim como Nietzsche dissera a mim
Amar o diferente – é o que retorna eternamente
E toda difamação que o associa à negação
Superadas sua irmã, toda a “família cristã”

Contra os que me queriam morto de inanição, os que dizem não à vida,
Meu primeiro ato de rebeldia foi nascer e viver ainda...
Apesar de aberta e tanta sangria, sei que me curarei da ferida
Que me fará mais forte ante a despedida de tudo que me prendia

Então, vamos além como Nietzsche fora também
O melhor de mim é a medida que me convém
Vamos dançar à fogueira queimando a vida inteira
Cantar até a manhã qualquer cantiga pagã!
Toda minha frustração, meu corpo em decomposição
Será a matéria da minha transformação
Fará, a minha coragem em aceitar o desafio,
Botar meus pés no chão e cumprir o meu destino

Foi isso, a vida? Muito bom! Mais uma vez!
Há tantas auroras que ainda não raiaram!





10. O Anti-Édipo




O Anti-Édipo

Primeiro, a gente aprende a suportar o peso do ar
Depois, aprende a suportar o nosso próprio peso
O irmão mais velho, a vergonha
O irmão do meio, o medo

Aprende a se equilibrar sobre nossas próprias pernas
Depois, a gente aprende a superar a si mesmo
O irmão mais moço, a força
O irmão mais novo, o desejo

Ao fim e ao cabo, querida,
Só existe esse mundo, só existe essa vida
A gente aprende a superar o poder que nos quer subjugar
A irmã de afeto, a coragem
A irmã que eu amo, a partida